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Foto do escritorAndreas Ufer

Somos feitos de histórias

Dez anos de uma organização que aprendeu a se retecer

por Andreas Ufer


I. UM SONHO EMARANHADO


De onde nascem as organizações e por que elas nascem? E do que elas são feitas afinal? 

A maioria das organizações tem certidão de nascimento, e registro oficial, assim sabem quando nasceram. Olhando a sua volta, também sabem o que fazem e como pagam as contas. Mas muitas não sabem ao certo a que vieram e do que são feitas ou sequer têm a calma de parar para se fazer essas perguntas.


O Sense-Lab nasceu de um sonho de trabalhar com propósito e cuidar das pessoas e organizações que buscam cuidar do mundo. Este ano completa 10 anos. Uma década. Um bom pedaço de vida bem vivida. 




Uma década apoiando organizações e pessoas, facilitando conversas e ativando ecossistemas. Foi uma infinidade de pessoas e organizações incríveis com as quais tivemos o privilégio de trabalhar, sonhar e planejar. Foram inúmeras conversas que anfitriamos, lugares que conhecemos, redes que tecemos.  

Foram muitas pessoas que vieram fazer parte de uma jornada, que passou pelos mais lindos lugares, no Brasil e no mundo, do Xingu a Genebra, de Nova Iorque a Guatemala e a Terra do Meio. Que trouxe boas companhias e gerou boas risadas. 


Ao longo do percurso, sempre pautamos nossas relações internas e externas pelo diálogo. Buscamos encarar as conversas difíceis de frente, de forma sincera, olho no olho. Equilibrar perspectivas e desfazer os nós. Mas houve momentos onde os nós se entrelaçaram. E quando se entrelaçaram, o sonho às vezes virou emaranhado.  


Tivemos que parar para repactuar a rota e refazer acordos. Destecer o que estava tecido junto. E nessa, de parar e desamarrar para separar, bons amigos partiram. E se alguns se despediram e outros ficaram, qual é a organização que ficou? Do que, no fim das contas, é feita essa organização? Não é de pessoas?


“Não há nada permanente exceto a mudança.”

Heráclito


II. DE ONDE NASCEM OS SONHOS


Não sei dizer exatamente quando o Sense-Lab nasceu ou de onde veio. Bem no começo, lá em meados de 2014, foi um emaranhado de iniciativas, conexões, conversas. Foi um impulso empreendedor e uma curiosidade quase insaciável de entender o que estava lá fora e conhecer gente fazendo a diferença. Foi a percepção de que muito do que se fazia por aí não fazia sentido, e daí essa vontade de explorar e criar o que fizesse. De ser parte da solução para esse mundão de problemas. 

Pessoas vieram conversar. Conversas viraram projetos, projetos viraram amizades. Pessoas foram e pessoas vieram.


Acho que ele nasceu desse sonho de fazer diferente, de vivenciar pessoas e papear. De ser quem a gente é no trabalho e acordar todo dia sabendo que o que a gente faz realmente faz sentido. Aquela maluquice de fazer coisas ousadas, que tentam contribuir para as pessoas e o planeta e ainda dar risada e trabalhar com gente de quem a gente gosta e admira. 




Esse sonho no final de 2014 ganhou nome e sobrenome. O nome tinha a ver com essa busca de sentido e propósito nas ações, no trabalho, nas organizações. O sobrenome. Ah, o sobrenome vem dessa ousadia toda. Da inquietude. Da constante vontade de ir pra frente e testar coisas novas. De perceber que ainda não está bom e tentar fazer melhor. Porque se estivesse bom, não tinha mais esse monte de problemas. 


Em 2015, já ganhando uns trocados, ganhou também documento. Virou uma pessoa organização. Um ser jurídico. Registrado oficialmente e tudo.

Daí o sonho tomou forma. Tinha pessoas, nome, contrato, identidade, projetos e dinheiro (bem, bem pouco pra falar a verdade). 


III. ESSE NEGÓCIO DE EMPREENDER


Seguindo 2015 adentro, começamos a inventar (mais) moda. Voltamos pra prancheta, desenhamos projetos, criamos programas, eventos, plataformas multi-atores. Escolhemos diversos temas de impacto para explorar.

Começamos a trabalhar nas comunidades, conhecer mais a fundo as periferias, quebrar muros e construir pontes. 

Seguimos tecendo redes, colaborando e conhecendo gente. 

Queríamos ser tudo. Na empolgação, não tínhamos nos dado conta ainda, de que quem quer ser tudo, no fim não sabe quem é.       

 ”O mundo vai perguntar quem você é, e se você não souber, 

o mundo lhe dirá.”

Carl Jung


Nos dois anos seguintes os projetos com negócios de impacto ganharam volume. Começamos a criar programas de aceleração, cursos, estudos e ferramentas para o ecossistema. Participamos de fóruns, lançamos com parceiros queridos o Modelo C, para pensar ao mesmo tempo o negócio e o impacto dos negócios de impacto, porque não fazia sentido pensá-los separados.


Ganhamos novos sócios, fundamos a nossa casinha, onde estamos até hoje. Sem mesa de sinuca e alvo de dardos, ainda. Sem mascotes, mas com aconchego, sofá, rede, além de mesas de reunião e estações de trabalho, é claro.  


As contas nem sempre fechavam e as conversas sinceras nem sempre eram fáceis. Mas quando elas são? Não é mesmo?



Não faltou quem olhasse desconfiado, achando que não ia dar certo. Essa história de fazer conversando para resolver problemas do mundo. E mesmo com esses, fizemos o que sabemos fazer melhor, papear e entender o papo. 


Erramos demais. Mesmo! Mas aprendemos com cada erro e aprendemos a usar o erro como método, nessa brincadeira séria de errar de propósito para aprender. E ainda iterar o erro, parecendo teimosia que move a gente pra frente. 


Aí fomos aprendendo também a juntar esse negócio de papear de forma sincera, tecer espaços de conversa, entender pessoas e as pessoas nas organizações, com a brincadeira de errar de propósito e repetir o erro, que desse nosso jeito nem sempre é burrice. 


Percebemos assim, que se prestarmos muita atenção na conversa que estamos conduzindo. Mas muita atenção mesmo, tentando entender as pessoas, e se a gente construir imagens com o que ouvimos, sem medo de errar, esse erro conversado vira planejamento estratégico, vira estrutura e governança, vira rede e mexe os ecossistemas. Transforma relações e muda a cultura. Se colocar números, vira modelagem financeira, se trouxer informações e gente de fora, principalmente se for gente muito diferente, muda as pessoas e transforma as organizações. Pode mudar um pedaço de mundo. 


Assim nasceu o Sense-Lab, conversando por gostar de conversar, errando sem medo de errar e ousando querendo voar.      


"Não é o crítico que importa; nem aquele que aponta onde foi que se tropeçou ou como se poderia ter feito melhor. O que importa é aquele que está por inteiro na arena da vida, cujo rosto está manchado de poeira, suor e sangue; que luta bravamente. que erra, que decepciona, porque não há esforço sem erros e decepções; mas que, em verdade, se empenha em seus feitos; que conhece o entusiasmo das grandes paixões; que se entrega a uma causa justa; que, na melhor das hipóteses, conhece no final o triunfo das grandes conquistas e que, na pior, se fracassar, ao menos fracassa ousando grandemente."

Theodore Roosevelt 


IV. DO CASULO PRA FORA


E já chegavam 2018 e 2019 e olhando para dentro percebemos que o que fazíamos entre nós fortalecia o que entregamos para fora e o que aprendíamos nos nossos projetos, mudava como trabalhávamos dentro da organização, nessa leminiscata, uma dança infinita em forma de 8, onde aprendemos para dentro e para fora, sem saber onde o aprendizado começa. E se pararmos para observar, como estamos dentro de nós mesmos, reflete como nos relacionamos e anfitriamos os outros. E às vezes começa a ficar até difícil de entender onde começa o "fora" e acaba o "dentro" e vice e versa.  


”O sucesso de uma intervenção depende 

da condição interna do interventor”

Bill O’Brien 


E aprendendo, percebemos que o que fazíamos de melhor com a nossa forma de conversar errando de propósito era ajudar a desenvolver as organizações e ativar ecossistemas. E que tudo isso eram pessoas conversando, que precisavam de novas formas de conversar e novas formas de enxergar a conversa. Essa forma poderia ser uma teoria de mudança, uma estrutura de times de times ou um bom papo sobre cultura e relações. Poderia delimitar alavancas para ecossistemas, construir uma estratégia ou governança para coalizões ou gerar reflexões e desenvolvimento no indivíduo. 


Começamos a fazer isso muito bem e para muitos parceiros.




Aí em 2020 tudo parou, porque o mundo parou. E quando tudo parou, para nós tudo acelerou. Nossa casinha estava vazia e o mundo estava em casa, e com isso nós fomos para o mundo, porque não importava mais onde no mundo você estava.


Nossos projetos, que eram nacionais, viraram globais. Se trabalhávamos e ainda trabalhamos, a diversidade local, começamos a abranger perspectivas transnacionais. Nosso primeiro projeto para fora, foi um longo processo conversado em rede com mais de 80 países. Uma rede que precisou conversar muito para chegar a uma visão e estratégia comum. E essa foi a janela para a nossa forma de conversar errando avançar rompendo fronteiras. Vieram fundações na Alemanha, Suíça, dinamizadores na Guatemala e Colômbia, empresas no Chile, Organizações no México, Estados Unidos e Panamá. Do Sul global começamos a nos conectar com o globo.   


Saímos desse hibernar da pandemia uma outra organização, metamorfoseada. 


V. SAIBA QUEM VOCÊ É


O ano de 2022 trouxe sinais do fim da adolescência. E com ele, vieram as dores de crescimento. No entardecer de 2021 éramos 8 pessoas sonhando esse sonho de alçar voo e ganhar o mundo. Com mais gente e vibe boa, com mais inclusão, diversidade e mais impacto, fortalecendo parcerias e amizades, e conhecendo gente nova.


Seis meses depois éramos quinze e no início de 2023 dezessete. Os projetos se multiplicaram, chegavam a 40 simultaneamente. Quase metade do que fazíamos era para fora do país. 



As estruturas internas se sofisticaram, criamos times para gerir o portfólio, desenhamos novos papéis, criamos mais estruturas e processos para a jornada das pessoas. O clima era de empolgação e aprendizado. De exploração de novas fronteiras e acolhimento de gente nova.

Mas o que foi bom demais, passou a ser demais. 


O ritmo ficou frenético. A demanda de aprendizado intensa. Os papéis se duplicaram e se sobrepuseram. A empolgação virou fricção e a necessidade de conversas aumentou. A energia se voltou para dentro e as polaridades ficaram mais difíceis de serem integradas. 


A tecedura virou nó. E os nós viraram um emaranhado. 


Como não tínhamos tempo, tivemos que desacelerar. Para desfazer o embaraço, tivemos que parar.

E foi exatamente nesse momento, que tivemos que nos perguntar quem somos e a que viemos. Não dava mais para esperar o mundo nos dizer. Refletimos sobre o que fazemos bem e o que deixariamos de fazer. E ao descobrir quem somos, parte de nós também descobriu o que não queria ser. 

Desamarramos para separar o que tinha sido tecido junto. Destecemos para poder retecer.


Desconstruimos para poder seguir. Deixamos de fazer o que fazíamos, para fazer o que queríamos fazer. 


E assim vieram as despedidas, que deixaram retratos e histórias e deixaram saudades. E assim ressignificamos e aproximamos as relações de quem ficou. Redescobrimos que o que nos move são as relações e as pessoas. O que nos mantém juntos e nos faz seguir em frente são as amizades. O que indica o caminho é esse sonhar junto.


Com isso, onde havia emaranhado, encontramos leveza. Onde havia cansaço, encontramos risadas e onde havia amizade, descobrimos potência.  


Quando uma porta se fechou, muitas novas portas se abriram. E desta forma começa esse novo ciclo que se abre em 2024.

“Nem todos os que vagueiam estão perdidos.”

- J. R. R. Tolkien


VI. DO QUE SÃO FEITAS AS ORGANIZAÇÕES


Assim, sem nos darmos conta, dez anos se passaram. Ziguezagueando nessa jornada de aprendizado. Olhando pra fora para nos descobrirmos por dentro, nessa lemniscata da vida.

E seguimos nos perguntando do que é feita essa jornada. 


“Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, 

mas um passarinho me disse que somos feitos de histórias.”

-  Eduardo Galeano


Mas afinal do que são feitas as organizações? Alguns cientistas sociais poderiam dizer que são feitas de pessoas e conversas. Talvez um certo passarinho diria que são feitas de histórias. Eu acho que é um pouco disso tudo. São essas tais pessoas e histórias. Mas acho que as organizações também são feitas de sonhos. 


Dá até arrepio de se dar conta de tantas histórias tecidas. E não sem saudades, dá aquela empolgação, quase inevitável para quem ousa porque não sabe parar de ousar, de seguir sonhando novos sonhos e conversando para construir novas histórias. 






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