De um lado escutamos que faltam recursos para atores periféricos. Do outro, que existem editais disponíveis, mas poucas são as propostas submetidas pelo pessoal da periferia que atendam aos requisitos necessários nas chamadas. Nesse fogo cruzado, nós do Sense-Lab, temos nos questionado se existe um lado com a razão ou se o que falta mesmo é um diálogo verdadeiro para que cada um possa expressar seus pontos de vista.
Como acreditamos que a melhor forma de aprender é fazendo, decidimos aproveitar nossa jornada no projeto Ondas de Transformação e sair em busca de entender a problemática mais a fundo. Mas por onde começar? Bom, o Sense-Lab conhece bastante gente de várias áreas de atuação...e se a gente sondasse o interesse deles em mobilizar energia nessa iniciativa? Assim, saímos fazendo contato com vários amigos e, para nossa surpresa, todos acharam super relevante! Alguns deles até toparam assumir a frente do movimento conosco.
A ponteAponte, consultoria especializada em ativar, desenvolver e implementar projetos multissetoriais colaborativos, que potencializam o impacto social de seus parceiros, de cara se entusiasmou na parceria. Discutir, refletir e propor ações para um melhor fluxo de recursos entre periferia e financiadores já estava na pauta da organização e nosso convite foi o que faltava para tirar o desejo do papel!
Quando perguntado para o Cássio Aoqui, sócio-fundador e diretor executivo da ponteAponte, o que a sua organização poderia aportar para essa empreitada, tivemos a belíssima resposta: “estamos obcecados agora pelo impacto coletivo. Pelo trabalho em colaboração, com empatia, confiança, diálogo e diversidade. Acreditamos que todo esse aprendizado deve ser usado para fazer o que sabemos fazer de melhor: conectar o melhor dos mundos para um mundo cada vez melhor. Como nossas duas frentes de atuação são as chamadas de impacto socioambientais (prêmios, editais, desafios, mapeamentos etc.) e as potencializações de inovações sociais, temos o privilégio de ter uma escuta ativa entre financiadores e financiados, entre atores e setores. Assim, nos vemos num lugar privilegiado para promover essas trocas e apoiar ações construídas conjuntamente entre financiadores e periferias, neste caso, para que sejam, de fato, mais efetivas no longo prazo (e não paliativas). Queremos que todos os atores envolvidos nos nossos projetos – inclusive os financiadores – saiam deles realmente com autonomia, emancipação, reflexão crítica, olhar sistêmico, liberdade e empoderamento. Dessa forma, poderemos sair de cena, nos reinventar e buscar novos desafios para os quais movimentaremos nossa energia e paixão”.
Outro parceiro que logo se juntou a nós foi a ADE SAMPA – serviço social autônomo vinculado, por cooperação, à Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo. Em virtude da nossa recente aproximação por conta do projeto Vai Tec, e pela sua missão de promover a execução de políticas de desenvolvimento, especialmente as que contribuam para a atração de investimentos, a redução das desigualdades regionais, a competitividade da economia, a geração de emprego e renda, o empreendedorismo, a economia solidária e a inovação tecnológica, fez todo sentido termos também esse parceiro estratégico. Após algumas rodadas de reuniões presenciais e virtuais para alinhamento geral, o trio se lembrou de um feedback que recorrentemente recebemos quando trabalhamos em ações que buscam gerar alguma melhoria de vida da população de comunidades vulneráveis, que é o não envolvimento desse público na construção das iniciativas desde o começo. Fazer com a periferia e não apenas para a periferia é fundamental não apenas para validar se as iniciativas fazem sentido, mas também para situar os agentes periféricos como protagonistas da mudança, ao invés de um simples beneficiário.
O objetivo desse projeto que está nascendo é promover espaços de diálogo – franco, honesto e que deixe de lado egos e busque caminhos de soluções – entre líderes periféricos, coletivos, empreendedores, movimentos sociais, organizações sociais e financiadores. O Cássio, mais uma vez, traz uma fala que justifica essa colaboração: “De um lado, recursos existentes, porém limitados; de outro, lideranças periféricas com trabalhos extremamente relevantes para a transformação social. No meio disso tudo, financiadores que querem apoiar diretamente as periferias mas não sabem como, dentro de sua cultura de fomento já institucionalizada; outros que mal cogitam investir socialmente dessa forma, alguns dos quais por desinformação; acesso concentrado de recursos para poucos; heterogeneidade das iniciativas periféricas, com níveis de acesso, conhecimento, expertise e preparação muito variados; e, por fim, muita gente falando em rede, mas pouco trabalhando em rede, muita conversa, pouco diálogo empático, muita expectativa, pouca ação. Nesse contexto dinâmico, complexo (como todo problema social), de soluções não binárias, a iniciativa me parece relevante por já começar de forma diferenciada: multissetorial, em rede, horizontal, com abertura ao diálogo e ao aprendizado e busca de ação transformadora”.
Antes de colocar todo esse monte de gente para conversar, decidimos fazer uma rodada piloto com ampla maioria de participantes que atuam em periferias. Objetivo? Checar o interesse e engajamento do pessoal, e convidá-los a construírem conjuntamente o que está por vir. Dessa forma, organizamos um encontro presencial no dia 23 de agosto, no prédio onde fica a ADE SAMPA. Convidamos inicialmente 35 pessoas representando organizações de todas as regiões geográficas de São Paulo, e contamos com a presença de 14 pessoas representando 12 instituições (Agência Mural de Jornalismo das Periferia, Apaje, Instituto Criar, Emperifa, É Nóis, Instituto Favela da Paz, Fundo Zona Leste Sustentável, LabHacker, Liga Solidária, Projeto Viela, Coletivo Cultural Esperança Garcia e Sitawi).
Ao longo de quase 3 horas de atividades, os participantes puderam expressar suas expectativas e incômodos, bem como foram conduzidos a pensar nas principais temáticas relacionadas à questão de acesso a recursos. Em cada temática foram listados pontos de entrave que dificultam um maior fluxo financeiro das organizações detentoras de capital para projetos da periferia.
A discussão foi muito rica no sentido de trazer à tona questões a serem endereçadas pelo grupo. No entanto, ficou evidente na fala de fechamento de alguns participantes a preocupação dessa construção coletiva não ser mais uma iniciativa “mais do mesmo”, onde apontam-se apenas barreiras, mas não caminhos a superá-las. Esse é o grande desafio de todos os envolvidos, mas que deverá servir de motivação e não como um balde de água fria! Deixamos a fala da Thais, responsável por parcerias estratégicas da ADE SAMPA, para resumir o que vem pela frente: “o maior desafio que vejo é traduzir os anseios em um plano de trabalho prático representativo que desemboque em atividades propositivas contínuas e retroalimentadas”.